Cask Ale: entenda alma da cerveja britânica
Cask Ales, além das diferenças técnicas em relação ao chopp, esse tipo de cerveja representa a resistência da cerveja tradicional contra a grande indústria.
No Reino Unido, onde a realeza divide espaço com pubs, há mais do que o Big Ben para encantar os corações dos cervejeiros. Trata-se da Cask Ale, a cerveja tradicional britânica. Mais do que um estilo, é uma maneira de preparar e servir a bebida que mantém o máximo de aroma e sabor. E agora que ela vai ficar mais barata por conta de uma nova lei de impostos do governo britânico, pode ser um ótimo momento para viajar até lá e provar.
Em agosto deste ano, o governo do Reino Unido anunciou o que ele chamou de “a maior mudança de impostos de bebidas alcoólicas do século”. Antes, elas eram taxadas pelo tipo de álcool produzido e agora a cobrança passará a ser feita conforme a intensidade alcoólica. Ou seja, uma cerveja de 4,5% ABV ficará bem mais barata que um gim de 40%.
Além disso, também foi anunciado o congelamento ou redução dos impostos para bebidas servidas na torneira, o que vai melhorar a competitividade dos pubs em relação aos supermercados — um problema crescente nos últimos anos. E isso deve impactar diretamente o preço das Cask Ales.
Além disso, ela tem uma grande importância histórica e se tornou um símbolo da resistência da cerveja tradicional contra o domínio das industrializadas em larga escala. Que tal conhecer um pouco dessa história?
O que é uma Cask Ale?
A Cask Ale não é um estilo de cerveja, mas uma forma de finalizar e servir a bebida que vai para as torneiras de um pub. E talvez a melhor forma de entender as semelhanças e diferenças seja comparando com o nosso chopp.
Primeiro, ambos os produtos são cervejas que não passam pela pasteurização — um choque térmico aplicado na bebida já pronta para eliminar os micro-organismos. Sendo assim, elas têm validade muito mais curta que uma cerveja em lata ou garrafa. Porém, mantém o melhor do seu aroma e sabor, já que essa alternância brusca de temperatura tende a prejudicar a cerveja.
Depois, a Cask Ale é muito antiga. Diferente do chopp, que é um produto relativamente moderno. E no passado, para conservar o produto, os cervejeiros refermentavam a bebida nos próprios barris. Esse processo, além de dar o gás para a cerveja, ajuda na conservação, fazendo com que pudesse ser transportada para locais mais distantes.
Mas não é só isso. Chegando no pub, a Cask Ale é tradicionalmente servida por gravidade. Ou seja, para abrir o barril, bastava colocar uma torneira nele. A partir do século XVIII, também começaram a ser utilizados os pumps, bombas de sucção que puxam a cerveja do barril. Já o chopp é tirado por meio de pressão de gás. O dióxido de carbono (CO2) “empurra” o líquido para fora.
Pode não parecer, mas isso faz muita diferença. No primeiro caso, ela permanece com a quantidade de gás natural. No segundo, ela pode acabar absorvendo mais gás, o que causa estufamento na hora do consumo. Além disso, o Cask é normalmente servido à temperatura ambiente do pub, que varia entre 12 °C a 15 °C. Já o chopp refrigerado entre o barril e o copo.
Um símbolo de resistência
Falando tecnicamente assim, não parece muita coisa, certo? No entanto, não se trata apenas do produto em si. Mas do que ele representa: a resistência da cerveja tradicional e artesanal.
Após séculos reinando absoluta nos pubs britânicos, com o avanço da cerveja industrializada em grande escala e o domínio de um único estilo para todos, a tradição das Cask Ale se viu ameaçada nos anos 1970. O gosto do consumidor havia mudado e a qualidade da cerveja tradicional, decaído.
Nessa época, cerca de 80% do consumo de cervejas do Reino Unido era feito dentro dos pubs. E com a entrada de grandes cervejarias naquele país, vieram novidades. Por meio do poderio financeiro, elas introduziram a cerveja “tipo Pilsen” e o chopp nos bares. E a cerveja tradicional perdeu cada vez mais espaço com o passar do tempo até quase sumir.
Foi quando quatro amigos jornalistas decidiram agir. Montaram uma associação de consumidores conhecida como CAMRA (Campaign for Real Ale) para defender a Cask Ale. Trabalharam divulgando a importância da cerveja tradicional para a cultura britânica, conscientizando o público que ela fazia parte da própria identidade nacional. E também atuaram com os pubs, certificando aqueles que cuidavam bem e faziam um bom serviço da bebida. Assim, o movimento cresceu e ganhou força.
Anos depois, também por meio dos seus artigos e denúncias na imprensa, o lobby e dominação comercial que as grandes empresas faziam nos pubs foi considerado ilegal. E começaram a surgir incentivos para a produção das cervejarias tradicionais, que viraram uma lei de dedução de impostos nos anos 2000.
Hoje a Cask Ale é uma tradição revitalizada, com festivais e presença constante nos pubs. Ela não sobreviveu apenas pelas diferenças técnicas, mas também por sua importância histórica e cultural, que vai de encontro com o movimento mundial de resgate das tradições cervejeiras que muitos chamam de Renascimento da Cerveja Artesanal. E se tornou símbolo de resistência, mantendo sua personalidade e sabor. Aproveite os preços mais em conta na sua próxima viagem e não esqueça de “fazer uma visita” a esse importante ponto turístico.